domingo, 23 de setembro de 2012

Ele.2

Às vezes a perda vem antes mesmo de tudo começar, com ela é assim, sempre foi.
Ela espera perder, ela não ganha, ela não percebe o durante, só pensa até quando?
Mas não é mesmo? Ela não esperava ganhar quando o conheceu, ela já sabia que iria
terminar, porque começou? Porque os começos são bons, os começos criam expectativas e
sonhos. Aquela vidinha cheia de hífens e espaços entre os parágrafos se preenche, seus
minutos são cheios, seus segundos não passam... ela existe entre antes e depois de vê-lo,
ouvi-lo, de uma mensagem. A sua vida é suspensa, ela não é ela, sua concentração principal
muda de foco, mas isso não dura. Logo vem a certeza, cheia, plena, absoluta do final.
Ela não estava triste por terminar a relação, ela estava triste por ter começado, por ter falhado,
porque ela sempre soube que ele era step, ele não era pra ser. Ela mudou quando estava com
ele e isso era o sinal que ela não agüentaria muito tempo.
 
Ela não percebeu que estava em frente de uma arara de roupas, dentro de uma loja cheia de mulheres, as roupas
na arara diziam tamanho 52 e acima dela, na parede, fotos da Beth Ditto, linda, sexy.
 
Ela saiu da loja, para a rua movimentada novamente, foi para casa. Não acendeu as luzes, sentou no
sofá e ligou a tv, ficou olhando a tela hipnotizada, os filmes passavam, ela não percebia. Não fez nada, ficou ali, dormiu e acordou e já era noite. Estava sem fome, olhou no celular, ele não ligara como ela previra, nem mensagem.
 
Ele não tinha facebook, então não havia o que conferir, mas ela pensou, o que estava fazendo? Porque isso a incomodava tanto já que ela sabia que iria acontecer? Queria chorar, mas não haviam lágrimas, só uma calma pesada.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Porta


Os gritos dela ecoavam pela casa. Ecoavam nos seus ouvidos. Dor. Desespero. Morte. Você não conseguia se livrar deles, mesmo depois do fim, os gritos ainda se ouviam por todos os cômodos. Então, a agonia terminou. Acabou. Mas ninguém disse que o final se estendia indefinidamente... e os gritos ficaram cravados na memória das paredes, da cama, na porta fechada, branca, impassível. A porta do julgamento. Dizendo o que voce não fez. Quando voce não esteve. Atrás daquela porta toda dor, toda agonia ainda existiam e você não fez nada. Você não estava lá. Mesmo ao ouvir os gritos, o desespero, aquilo doía em você tanto quanto nela mas entrar por aquela porta, não, você não suportou. Agora se resigna na própria covardia e vergonha. E a culpa, essa companheira invisível, você carregará para todo o sempre. Mesmo que o sempre tenha um fim.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Ele


O  outono a fazia lembrar de antigos amores, ou melhor do fim de antigos amores, aqueles que começam no calor e que não resistem às primeiras brisas geladas...e ela sabia que este não era diferente, deitada ao lado dele, olhando a claridade que amanhecia no quarto. Ele dormia, o corpo magro deitado de costas, dormia o sono embalado pelo vinho da noite anterior, um vinho barato que ele comprou no mercado a caminho de casa. Ela sabia que o relacionamento estava no fim, ela sentia as mesmas inquietações de outras vezes, ela sabia que ele ia terminar com ela, talvez não hoje, amanhã, semana que vem... ela podia terminar isso logo, levantar, vestir-se e sair sem falar nada, ele talvez nem notasse, talvez sentisse falta... acharia estranho, quem sabe ela se tornaria misteriosa, despertaria nele um novo interesse. Mas não, ela se levantou e foi até o banheiro, ficou lá por algum tempo pensando, invadida por uma espécie de tédio desconfortável. Voltou ao quarto e decidida começou a arrumar suas coisas, não ia sair furtivamente, iria dar um até logo e seguiria sozinha para sua casa, sem explicações, talvez em casa a sensação de sufocamento, de ansiedade passasse. Ele ligasse a querendo de volta.

Ela está de costas para ele, ouve ele se mexer, vira-se e ele está sentado na cama, acordando, pergunta onde ela vai?
- para casa.

- aconteceu alguma coisa?

- não, nada, vou para casa ver umas coisas.
- que coisas? Espera, vamos tomar café primeiro.

Ela pensou, está bem, mais um café juntos. Ele se levantou e foi ao banheiro, ela terminou de se vestir e deixou as coisas que trouxera na véspera arrumadas, prontas para a partida. Eles saíram para tomar café na cafeteria próxima, ela estava sem fome, só quis café, pouco leite, ele pegou o jornal, ficaram assim, sentados à mesa junto à janela, frente a frente, uma vida de distância. As pessoas passavam na calçada, ela perdeu-se olhando o ir e vir lá fora, o dia estava ensolarado mas frio. Ela não pensava nada, só observando quem passava, entrava e saía da cafeteria. Ela não via seus rostos e suas roupas se misturavam, nas cores escuras de roupas de inverno. Era uma terça-feira, depois de um feriado, mas ela não tinha que trabalhar naquele dia, estava de folga, ela tinha planos, com ele. Nada fazia sentido agora. Ele comentou algo que estava lendo, ela não prestava atenção, ele também não notou que ela não ouvira. Ela terminou o café e olhou para ele, ainda lendo o jornal e comendo um pannini de queijo e presunto, com uma mão segurava o pão e com a outra o jornal, lia e comia alheio à solidão dela.
- e então você vai para casa? Ele perguntou de repente, tomando um gole de café e olhando para ela.

- vou.
- por que?

Ela não sabia responder, porque eu quero terminar com você antes que você termine comigo, é  isso. Mas não soube dizer. Ela ia começar a contar algo sobre ir para casa ter uma conversa com a sua irmã que adiava fazia tempo, quando o celular dele tocou. Ele atendeu, era a Raquel, a sócia dele na agência, ela desviou a atenção do que eles estavam falando, algum cliente nervoso, ficou esperando ele desligar.
- olha, já que vc quer ir para casa, eu vou para a agencia, sabe como a Raquel é, ela é ótima com finanças mas não é boa quando precisa lidar com algum cliente mais estressado, é melhor mesmo e eu posso resolver isso com calma. À noite nos falamos então.

- está bem.
Ela não precisou falar, ele não parecia realmente incomodado, parecia aliviado, não... ele não estava mais ali. Se despediram dentro do metro, ela percebeu quando ele olhou a moça sentada em frente que também o notou mas o olhar dela para ele não foi de alguém que se interessava, era repreensivo e voltou à cabeça para o guia que estava lendo. Ele virou para Ela e deu um beijo de leve na boca, disse à noite eu te ligo. Ela sabia que ele não ia ligar. Ela não foi para casa, não foi para casa da irmã, perambulou por ruas e vitrines... esbarrando nas pessoas acelaradas... porque ela estava calma, muito calma.